ARTIGO: Introdução a pragmatismo linguístico

sexta-feira, 16 de abril de 2010

INTRODUÇÃO AO PRAGMATISMO LINGÜÍSTICO
Jorge da Silva (UERJ/FFP)
Vera Lucia T. da Silva (UERJ/FFP)


INTRODUÇÃO

Da mesma maneira como ocorre em outras áreas da ciência, o estudo da linguagem tem sido afetado pelas inconsistências e hesitações originadas na pretensão filosófica de que o conhecimento científico deva ser justificado racionalmente. Assim é que, desde a antigüidade, teorias têm sido propostas a respeito da origem e da natureza da linguagem humana - elemento essencial à compreensão da própria existência do ser humano e do universo -, e bem assim sobre como o pensamento se articula com a linguagem (ou esta com aquele), e como a linguagem se estrutura e é apreendida pelos sujeitos falantes.

Além dessas preocupações de cunho filosófico, e levando-se em conta a multiplicidade de línguas existentes no mundo - e também a necessidade de os homens se comunicarem para compartilhar conhecimentos e experiências -, torna-se fundamental buscar conhecer, de um ponto de vista prático: a) que mecanismos estão presentes no processo de aquisição natural da linguagem em geral e de uma determinada língua materna em particular; b) como o indivíduo humano utiliza a linguagem no dia-a-dia, nas diversas situações; c) se, no aprendizado de uma língua estrangeira (LE) ou segunda língua (L2), os processos envolvidos diferem grandemente da aprendizagem da língua materna; d) como as diferentes habilidades lingüísticas (falar, ouvir, ler, escrever) em LE ou L2 podem ser transmitidas e adquiridas e, mais que tudo, aprimoradas; e) de que forma a língua materna, particularmente o fenômeno da fossilização linguística, interfere na aprendizagem da língua-alvo.

O presente texto tem por escopo assinalar a importância de se abordar estas questões de forma pragmática, vale dizer, com a atitude filosófico-metodológica do pragmatismo lingüístico, interessado no papel das línguas como instrumento cultural-social, de comunicação e interação entre indivíduos e povos. Embora o conhecimento produzido por filosóficos e lingüistas sobre a natureza da linguagem e sobre como esta é originariamente adquirida pelo ser humano (em contraste com a linguagem não-humana) seja de crucial importância para o ensino / aprendizagem de línguas, a atitude pragmática levará em conta os achados dos filósofos (e sobretudo as suas perplexidades) mas concentrar-se-á nos problemas encontrados concretamente no processo de aprender / ensinar uma língua estrangeira, ou segunda língua.

As afirmações do texto buscam sustentação, de um lado, nas idéias de filósofos como Wittgenstein (1953), Khun (1994), Rorty (1980) e Watkins (l984); e de outro lado, nas de linguistas teóricos e aplicados como Coulthard (1977), Leech & Thomas (1990), Ellis (1994), Lightbown & Spada (1993), Brown (1994) e Akmajian et al. (1995). Os primeiros, preocupados com a natureza do conhecimento em geral, e mantendo uma atitude mais ou menos comum de ceticismo em relação à possibilidade de justificação racional do conhecimento científico, centram tal possibilidade nos sujeitos cognoscentes (os indivíduos) - e não no objeto do conhecimento em si (a linguagem). Lançam, então, os fundamentos de abordagens que irão levar em conta os fatores da realidade: culturais, históricos, sociológicos, psicológicos e antropológicos envolvidos. (Thomas Khun chega mesmo a afirmar que a ciência não tem nada a ver com a racionalidade e que os seus mecanismos se explicam de modo empírico-descritivo, e não apriorístico-normativo). Os segundos, preocupados especificamente com o fenômeno da linguagem, vão tentar livrar-se dos confinamentos de teorias como o estruturalismo linguístico inaugurado por Ferdinand de Saussure e desenvolvido sobretudo pelo lingüista norte-americano Leonard Bloomfield; e igualmente não insistirão nas complexidades do gerativismo transformacional de Noam Chomsky e sua “Gramática Universal”, a qual explicaria pretensos universais lingüísticos inerentes a qualquer ser humano, independentemente desta ou daquela língua materna (Lightbown & Spada, 1993; e Brown, 1994). Estes irão, sim, aprofundar os estudos que acabarão por reforçar a importância da pragmática linguística (“pragmatics”), ramo da lingüística que nos dias de hoje disputa com outras disciplinas a primazia do estudo dos fatores contextuais retro-referidos. Assim, ao lado da pragmática, vão concorrer a filosofia da linguagem, a sociolingüística, a psicolingüística, a antropologia lingüística, a etnolingüística, a neurolingüística.

Embora se deva reconhecer a dificuldade de abordar o tema de um ponto de vista estritamente lingüístico, quer dizer, deixando de lado as preocupações das disciplinas supra-referidas, conforme afirmam Brown & Yule (1983: ix), é com essa pretensão - lingüística - que se visualiza o pragmatismo neste texto. Tal pretensão se justifica pelo fato de o nosso interesse ser o ensino / aprendizagem do inglês como língua estrangeira para falantes do português do Brasil. As considerações que se seguem, sobre a ‘linguagem humana’ e o ‘pragmatismo lingüístico’, não tratam de problemas concretos. São uma tentativa de encurtar o caminho do leitor, que poderá, lido o presente texto, ir direto ao ponto, ou seja, o ‘ensino / aprendizagem do inglês como língua estrangeira’, sem perder-se em especulações. Tais considerações constituem-se, portanto, em informação propedêutica, essencial a professores e aprendizes.


A LINGUAGEM HUMANA

Desde tempos imemoriais o ser humano vem se afligindo com questões cruciais a respeito de sua própria existência. Num círculo vicioso, passará da incerteza à perplexidade; da perplexidade às concepções mitológicas; da mitologia às teorias pretensamente racionais; das teorias à certeza; e da certeza novamente à incerteza e à perplexidade. Ele se deu conta de que a contrapartida do poder da mente humana era, paradoxalmente, a sua (da mente humana) limitação para explicar as questões relativas a si mesmo e ao mundo em que vivia. O fascínio diante do universo fê-lo imaginar-se como um ser único em toda a natureza, no mundo animal, vegetal ou químico, crença nutrida em bases míticas e teológicas; a ponto de levá-lo a retratar-se como sendo a imagem e semelhança de Deus. Daí, maravilhado com essa imaginária distinção, o homem buscou interpretá-la com a faculdade de que é peculiarmente dotado: a razão. Com efeito, não houve momento de sua história - por mais que estivesse perdido na escuridão da ignorância a respeito dessas questões - em que ele não se arriscasse a “raciocinar” sobre as mesmas, e engendrar visões de mundo consentâneas com as várias etapas do seu desenvolvimento. E se sempre foi assim na história da humanidade, não haveria de ser diferente nos dias de hoje; estranhável seria se assim não o fosse.

Há que se admitir, portanto, que o homem contemporâneo - a despeito do considerável domínio da natureza e das magníficas realizações do pensamento - continua a vivenciar angústias tais que ainda é possível vê-lo com aquele mesmo medo da fúria dos deuses, manifestada através dos raios e dos trovões. Não obstante o fato de a filosofia ter-lhe acenado com a possibilidade de buscar a certeza sobre novas concepções de mundo, a própria filosofia colocou-lhe perguntas para as quais não consegue encontrar resposta. Dentre estas perguntas, as referentes à origem e a natureza da linguagem humana são provavelmente as mais instigantes, pois elas se apresentam como uma preliminar à problemática do conhecimento em si. Ora, se é com a linguagem que essas intrincadas questões hão de ser explicadas (se é que um dia serão...), coloca-se aos filósofos e aos lingüistas o problema adicional de o objeto do seu estudo (a linguagem) ter que explicar-se a si mesmo. Em suma: trata-se do desafio de explicar enunciados (necessariamente lingüísticos) com outros enunciados necessariamente lingüísticos. Daí, continuarem sem resposta as seguintes indagações: qual a origem da linguagem humana? É fruto de evolução ou é uma faculdade em estado latente no “Homo sapiens sapiens” desde que este apareceu na face da terra, dependendo simplesmente de cultivo? O pensamento é conseqüência da linguagem, ou “vice-versa”? Poderia haver pensamento extra-linguístico, isto é, que não dependesse da linguagem para ser pensado? Teria a linguagem a capacidade de expressar todos os pensamentos que ocorrem ao ser humano, por mais intrincados e difusos que sejam?

Além da importância intrínseca do fenômeno lingüístico, por conseguinte, há que assinalar a sua relevância, e mesmo indispensabilidade, para o estudo da história do homem e das suas relações com os semelhantes e com o mundo (físico e metafísico...). Se não se podem encontrar respostas para perguntas tão complexas, isto não tem impedido, todavia, o extraordinário desenvolvimento do pensamento ao longo dos tempos, coincidentemente paralelo ao desenvolvimento da linguagem articulada.

De um ponto de vista pragmático - referente às potencialidades da linguagem não só para a comunicação humana, como, igualmente, para a elaboração de raciocínios complexos - os estudos direcionados a saber como funciona a linguagem corrente, no dia-a-dia, ganham realce; e será fundamental sobretudo conhecer os mecanismos que presidem a aquisição (processo instintivo) e a aprendizagem (processo intencional) da língua, e igualmente o ensino.

Ainda nestes aspectos específicos, as teorias estritamente lingüísticas serão insuficientes para orientar os homens na compreensão do fenômeno da linguagem. Não será possível uma explicação da mesma como sendo um fenômeno autônomo. A comunicação e a elaboração de raciocínios complexos dizem respeito, sim, à faculdade autônoma da linguagem articulada, mas esta última está inextrincavelmente ligada a fatores culturais, sociais, psicológicos, antropológicos e históricos, como se viu acima.


PRAGMATISMO

“To understand the matters which Descartes wanted to understand - the superiority of the New Science to Aristotle, the relation between this science and mathematics, common sence, theology, and morality - we need to turn outward rather than inward, toward the social context of justification rather than to the relations between inner representations. This attitude has been encouraged in recent decades by many philosophical developments, particularly those stemming from Wittgenstein’s Philosophical Investigations and from Khun’s Structure of Scientific Revolutions”.
(Richard Rorty, 1980:210)

Cumpre, antes de tratar especificamente do pramatismo lingüístico, tecer algumas considerações genéricas sobre o pragmatismo como atitude filosófica.

Como sugerido no excerto acima, de Rorty, o pragmatismo não é uma teoria nem propriamente uma escola metodológica. Trata-se de uma atitude em face do problema do conhecimento; de uma alternativa ao ceticismo e à tradição clássica; de uma abordagem que utilizará as metodologias disponíveis e que possam ser úteis ao sujeito cognoscente, isto é, ao “conhecedor”, a seu critério e de acordo com a sua visão de mundo. Embora o pragmatismo considere o conhecimento como sendo arracional (insuscetível de ser racionalizado), reconhece a possibilidade de o sujeito cognoscente poder fazer escolhas racionais com base na maior ou menor utilidade para a hipótese em questão. Assim, por exemplo, diante de duas teorias, não buscará saber qual é a verdadeira ou mais consistente do ponto de vista de uma racionalidade a elas imanente. Através de uma avaliação personalista, calculará a utilidade - também personalista - de escolher entre uma e outra. A verdade de uma proposicão estará, então, condicionada à sua verificabilidade, ou seja, dependerá de sua conseqüência prática e do seu valor para a vida concreta. Se uma teoria diz que a criança aprende por imitação, é possível que ela não seja de todo verdadeira, mas será possível verificar que uma das estratégias utilizadas pela criança é realmente a imitação (Brown, 1994, p.38). Se uma teoria sustenta que há uma idade crítica (“Critical Period Hypothesis”), para se aprender bem a própria língua materna não será difícil verificar que, até certo ponto, a afirmação tem sentido (Brown, op.cit., pp. 52/53; e Lightbown & Spada, 1993, p. 11).

Embora ao longo do tempo as críticas às atitudes especulativas de busca de verdades “a priori” já se tivessem corporificado, a discussão sempre se deu em torno de se saber se a fundamentação racional do conhecimento era possível ou não, tendo a resposta positiva a essa questão prevalecido. Filósofos de todas as épocas se empenharam em apresentar argumentos e teorias contra e a favor, sem, contudo, rejeitar integralmente o pressuposto da “necessidade” de fundamentação racional do conhecimento. Daí, o campo propício à expansão das tendências aos estudos pragmáticos, ensaiados pelos utilitaristas ingleses, porém consolidados pela filosofia norte-americana.

As origens próximas do pragmatismo, portanto, vão ser encontradas na filosofia estadounidense da virada deste século, particularmente na filosofia de William James e John Dewey, os quais se empenharam em trazer para a área das ciências humanas os métodos experimentais. Seria suficente assinalar que William James foi o primeiro norte-americano a organizar um laboratório de psicologia experimental; e que John Dewey criou a primeira escola experimental da história da Educação.

Como nos informa William James, a palavra pragmatismo (do grego pragma = ação) foi introduzida pela primeira vez em filosofia por Charles Peirce, em 1878. Segundo esse autor, Peirce afirmava que nossas crenças nada mais são do que regras de ação, e que o importante é determinar que condutas o pensamento está apto a produzir. Na visão de James, todavia, embora em toda a história do pensamento sejam identificadas abordagens de cunho pragmático, tais abordagens se deram de forma fragmentária, sem que seus propugnadores abandonassem de todo concepcões tradicionais: (1974, p. 12)

“O pragmatista volta as costas resolutamente e de uma vez por todas a uma série de hábitos inveterados, caros aos filósofos profissionais. Afasta-se da abstração e da insuficiência, das soluções verbais, das más razões a priori, dos princípios firmados, dos sistemas fechados, com pretensões ao absoluto e às origens. Volta-se para o concreto e o adequado, para os fatos, a ação e o poder. O que significa o reinado do temperamento empírico e o descrédito sem rebuços do temperamento racionalista. O que significa ar livre e possibilidades da natureza, em contraposição ao dogma, à artificialidade e à pretensão de finalidade na verdade”.

Essas tendências pragmatistas se consolidam em meio às tentativas de oferecer alternativas à visão de David Hume, cético quanto a qualquer possibilidade de fundamentação racional do conhecimento científico, isto é, qualquer tentativa de fundamentação “a priori” com a pretensão de estabelecer nexo teórico entre fins e meios. Nas palavras de Watkins (1984), este ceticismo de Hume pode ser descrito como sendo: a) “antiapriorista”; b) “experiencialista”; e c) “dedutivista”. Assim, o conhecimento, para Hume, não pode ser explicado “a priori”, depende da experiência do dia-a-dia, e não pode ser justificado por inferências indutivas, ou seja, por raciocínios que possam predizer o que vai acontecer a partir do já acontecido e das nossas percepções. Depois de extensos comentários sobre a contundência dos argumentos de David Hume, Watkins sintetiza de forma clara e precisa o ceticismo humeano: (1984: 3)

“Para que qualquer enunciado factual h constitua conhecimento, é preciso que existam premissas verdadeiras e que se reportem a h e das quais h é logicamente derivável. Mas se h fala do mundo exterior e e fala apenas de experiências perceptuais, h vai além de e, e, portanto, não pode ser logicamente derivada de e.”

Após descrever o que, para ele, é um resumo das principais estratégias tentadas por outros filósofos para responder ao ceticismo humano, e após mostrar as inconsistências de todas elas, Watkins elabora a alternativa do que chama de conjeturalismo, que procura distinguir do pragmatismo, ainda que vendo em ambos “semelhanças superficiais” quanto a propiciar meios para fazer escolhas racionais entre hipóteses radicalmente incertas ou mesmo contrárias. Para ele, a vantagem do seu conjeturalismo - na qual residiria a diferença crucial - é a de que as escolhas são presididas por propósitos “cognitivos”, enquanto no pragmatismo tais escolhas teriam propósitos não-cognitivos, entendendo ele por propósito “cognitivo”, por exemplo, a busca da verdade, a maximização da probabilidade, um entendimento mais profundo ou uma melhor explicação, e não, por exemplo (e aí vai uma crítica mordaz aos pragmatistas assumidos), evitar problemas com as autoridades ou causar impressão de profundidade e erudição).

A expressão “evitar problemas com as autoridades” pode ser associada à referência que o autor faz ao célebre exemplo do apostador de Pascal (apresentado por Watkins como um caso típico de atitude pragmatista). Extremamente religioso, Pascal valeu-se desta fórmula para demonstrar que acreditar em Deus era, antes de tudo, o melhor para o homem, independentemente de Deus existir ou não. Não se tratava da crença em si, mas na “vantagem” pessoal de acreditar. Assim, se eu aposto que Deus não existe, só há duas possibilidades: se Deus não existir, eu ganho tudo; mas se Deus existir, eu perco tudo, quer dizer, estou condenado ao inferno; se, entretanto, eu aposto que Deus existe, também só há duas possibilidades: se Deus existir, eu ganho tudo; mas se Deus não existir eu nada perco.

Importante observar que, apesar das críticas aos pragmatistas, na essência Watkins não se situa muito longe deles, embora as idéias de “busca da verdade e de entendimento mais profundo”, presentes no seu conjeturalismo, de certa forma reponham a crença na possibilidade de o conhecimento científico poder ser justificado racionalmente.

No que tange especificamente ao pragmatismo linguístico, na forma como posteriormente se consolidou, releva citar o “segundo” Wittgenstein (como se sabe, depois de se desiludir com a filosofia por um longo período, Wittgenstein mudou completamente a sua visão de mundo, voltando às reflexões filosóficas como se fosse um outro Wittgenstein, inclusive repudiando muito do que ele próprio escrevera anteriormente). Conforme assinalou Silva (l993:12), é na filosofia do segundo Wittgenstein que tem origem o antifundacionismo (a negação da possibilidade de fundamentação racional do conhecimento), sendo “o primeiro filósofo a propor uma estratégia indiferente à fundamentação da gênese do conhecimento”. Com efeito, parece ter sido sobretudo depois que se dedicou durante anos ao ensino de crianças (coincidentemente na mesma linha de preocupação educacional de John Dewey) que Wittgenstein reconsiderou as formulações que fizera sobre como funciona a linguagem humana. O primeiro Wittgenstein enveredara, no Tratactus Logico-Philosophicus, pelo caminho movediço tradicional de tentar estabelecer, abstratamente, paralelo entre o pensamento e a linguagem. Aderira à teoria segundo a qual a linguagem humana se estrutura de acordo com padrões dados, “a priori”, na mente; e que é possível, em conseqüência, ir além dos sentidos e da experiência para compreender o mundo e explicá-lo. O segundo Wittgenstein parece ter então concluído pela pouca utilidade de se buscar identificar nexo lógico entre as proposições, consideradas em si mesmas, e a pretensa realidade representada por elas; ou seja, entre a forma e o sentido, entre o significante e o significado. Em suma, não passaria de um mero exercício de semântica formal, sem nenhuma utilidade prática. Como assinala o próprio filósofo em Philosophical Investigations (l953), depois de reconhecer explicitamente os “graves erros” que publicara no primeiro livro (1953: § 65):

“§ 65 ... For someone might object against me: “you take the easy way out! You talk about all sorts of language -, but have nowhere said what the essence of a language-game, and hence of language, is: what is common to all these activities, and what makes them into language or parts of language. So, you let yourself off the very part of the investigation that once gave yourself most headache, the part about the general form of the propositions and of language”. And this is true. Instead of producing something common to all that we call language, I am saying that these phenomena have no one thing in common which makes us use the same word for all , but that they are related to one another in many different ways. And it is because of this relationship, or these relationships, that we call them all “language”.

Para o segundo Wittgenstein, destarte, não mais será importante especular sobre as propriedades intrínsecas das proposições. Importará saber, a partir da observação empírica, como funcionam o que rotulou de “jogos da linguagem”, vistos por ele como parte de uma atividade, ou - como também chamaria - “formas de vida”.

Contemporaneamente, o pragmatismo tem seguido junto a outras tendências na busca de estratégias que centrem no sujeito cognoscente, e não no objeto do conhecimento, a possibilidade de fazer escolhas racionais. E este parece ser o desafio aos filósofos da atualidade. Richard Rorty (1980), apontando esses “desenvolvimentos filosóficos” recentes, e após erigir Wittgenstein, Heidegger e Dewey como heróis do seu Philosophy and the Mirror of Nature, posiciona-se, junto com os chamados filósofos analistas, ao lado dos pragmatistas, diferentemente de Watkins, numa atitude resolutamente anti-fundacionista, sendo relevante assinalar a importância que Rorty dá à linguagem, pois, apesar de se referir episodicamente à linguagem em várias partes do livro, particularmente no capítulo IV, dedica um capítulo inteiro, o VI (“Epistemology and Philosophy of Language”), às intrincadas questões da linguagem humana e suas necessárias conexões com as indagações sobre o conhecimento em geral.


PRAGMÁTICA LINGÜÍSTICA

A pragmática lingüística, que, pode-se dizer, é a materialização, no estudo de línguas e na comunicação, do pragmatismo lingüístico, tem tido uma carreira atribulada desde que começou a firmar-se no início da década de 1970, embora, como nos dão conta Akmajian e outros (1995, p. 339), tenha sido Charles Morris quem, em 1938, propôs a divisão tricotômica do estudo da língua em: sintaxe, semântica e pragmática, tendo definido esta última por “the study of the relation of signs to interpreters”, e, mais tarde, por “the relation of signs to their users”.

O interesse pelos estudos pragmáticos e o seu desenvolvimento devem-se grandemente a estudos realizados inicialmente por filósofos, como já referi. Nada obstante, como se verá adiante, ainda hoje não se tem uma delimitação clara do campo de investigação da pragmática. Trata-se, sem dúvida, de um ramo da lingüística, mais precisamente, da lingüística aplicada, o qual enfoca prioritariamente a linguagem oral, e ainda assim dentro dos limites em que ela (a pragmática) se encontra com as disciplinas afins acima aludidas. Interessa-se pela linguagem como forma de comunicação humana, sendo relevantes aqui os chamados jogos da linguagem e as formas de vida de Wittgenstein, como num jogo em que as regras não estão explícitas mas o jogador as vai aprendendo - e criando novas regras - à medida que o jogo se desenvolve.

Embora muitas definições de pragmática tenham sido formuladas, as que se seguem são suficientes para dar uma idéia do conceito. Primeiramente a de Richards et al. (l992, p. 284) no seu Dictionary of Language Teaching & Applied Linguistics:

“pragmatics: the study of the use of language in communication, particularly the relationships between sentences and the contexts and situations in which they are used. Pragmatics includes the study of:
a) how the interpretation and use of UTTERANCES depend on knowledge of the real world
b) how apeakers use and understand SPEECH ACTS
c) how the structure of sentences is influenced by the relationship between the speaker and the hearer.
Pragmatics is sometimes contrasted with SEMANTICS, which deals with meaning without reference to the users and communicative functions of sentences.”

E a definição de Rod Ellis (l994, p. 23):

“Pragmatics is the study of how language is used in communication. It covers a wide range of phenomena including deixis ( i.e. the ways in which language encodes features of the context of utterance), conversational implicature and pressuposition (i.e. the way language is used to convey meanings that are not actually encoded linguistically), illocutionary acts (i.e. the use of language to perform speech acts such as stating, questioning, and directing), conversational structure (i.e. the way in which conversations are organized across turns), and repair (i.e. the conversational work undertaken to deal with miscommunications of various kinds).”

E a definição de Akmajian et al. (1995:339):

“the study of language use in relation to language structure and context of use. As such, the sudy of pragmatica straddles the boundary between language and the world.”

Das definições acima releva realçar os conceitos de “language in use” (língua em uso), “utterance” (expressão oral, emissão), e “speech act” (ato da fala). O primeiro, “language in use” significa que não se está considerando a língua em abstrato; o segundo, “utterance”, é usado para representar uma unidade de discurso, não correspondendo necessariamente à sentença (período) tradicional dos gramáticos, a qual tem que obedecer a critérios lógicos de correção e aceitabilidade. O terceiro, “speech act”, associa-se ao que se passou a chamar de teoria dos atos da fala (“speech-act theory”), que estuda as unidades de discurso (“utterances”) sob dois aspectos: o literal (ou proposicional), e o prático, isto é, o efeito provocado no comportamento da pessoa a quem são dirigidas. Em resumo, cumpre distinguir entre período (unidade de estudo dos gramáticos tradicionais) e expressão oral / emissão (unidade de estudo dos lingüistas pragmáticos). Assim, uma expressão oral / emissão pode consistir de apenas uma palavra ou pequena frase, como “Hi!”, “Good morning!”, etc.), ou mesmo coincidir com um período, em que se distinga(m) a(s) oração(ões) e os diferentes termos da(s) mesma(s); e ainda: tais unidades de discurso (expressões orais / emissões) não apresentam formas pré-estabelecidas, nem regras de correção e aceitabilidade, como no caso dos períodos e orações. O trabalho dos lingüistas pragmáticos será, portanto, o de identificar “regularidades” em face da maior ou menor freqüência com que elas ocorrem.

Embora a pragmática lingüística já tivesse sido delineada nos estudos de Wittgenstein desde a década de 1950, só recentemente passou a constituir-se como um campo de investigação autônomo. Conforme nos informam Leech & Thomas (1990:174):

“ [...] pragmatics was born out of the abstractions of philosophy rather than of the descriptive needs of linguistics (and this, it will be argued below, accounts in part for the difficulties which were later experienced by linguists when they tried to apply pragmatic models to the analysis of stretches of naturally-occuring discourse). Even when pragmatics started to become important for linguistics, it was again, at least in the English-speaking world, informed by the work of philosophers”.

Os autores estão se referindo aos filósofos do chamado Grupo de Oxford, cujo interesse teórico preponderante é o lingüístico. Curioso notar que se atêm ao mundo dos anglófonos, e dão destaque ao trabalho de Jonn Austin, J. R. Searle e H. P. Grice. De fato, esses filósofos (houve mesmo quem negasse essa condição a Austin, alegando que ele não fazia filosofia e sim, de um ponto de vista empírico, ciência da linguagem) são as fontes inspiradoras da pragmática lingüística na forma como ela se desenvolveu na década de 1970. É neles que se originam as noções de força performativa (“performative force” de Austin), da teoria dos atos da fala (“speech-act theory” de Searle), e da distinção “o que é dito”/ “o que é significado” (“what is said”/ “what is meant”, de Grice).

No campo especificamente lingüístico, a pragmática vai originar correntes de estudo diversas: a Lingüística Aplicada, a Análise do Discurso, a Análise do Erro etc; e novas teorias de aquisição/aprendizagem/ensino de línguas, não só da língua nativa, mas principalmente da língua estrangeira/segunda língua). Assumem papel de relevo nesses estudos - no mundo anglófono - Malcolm Coulthard, M. A. K. Halliday, Ruqaia Hasan, Gillian Brown, George Yule, Jack C. Richards, Evelyn Hatch, Rod Ellis, Guy Cook, e outros listados na bibliografia ao final deste texto.




CONCLUSÃO

Diante da aparente impossibilidade de fundamentação racional do conhecimento científico. Ou mais precisamente, diante da contundência do ceticismo humano a respeito da sua natureza, as ciências humanas acabam por encontrar outras formas de buscar o seu próprio desenvolvimento, independentemente daquelas pretensamente fundadas em verdades a priori. Ao invés de se indagar sobre a essência do conhecimento, vai-se procurar, nos contextos onde se desenvolvem as atividades humanas, observar as diferentes “formas de vida”, na expressão de Wittgenstein. Embora muitos filósofos acreditem na possibilidade de fundamentação racional do conhecimento, seja para justificar o conhecimento em geral, seja para justificar esta ou aquela teoria especificamente, a realidade não tem estado ao lado deles. Em conseqüência, as correntes filosóficas de tendências pragmatistas ganham terreno, embora os seus adeptos nem sempre utilizem este termo para designar a sua filosofia - como parece ser o caso de Watkins.

Quanto aos estudos especificamente lingüísticos, o pragmatismo parece ter provocado uma verdadeira revolução. A lingüística pura não consegue mais se impor como ciência teórica, como ocorria há apenas menos de três décadas atrás. E também não consegue delimitar claramente o seu campo de atuação. A pragmática lingüística (“pragmatics”) ganha cada vez mais terreno, incursionando na área de outras disciplinas, como a sociologia, a antropologia, a psicologia, e a própria filosofia da linguagem, e vice-versa. Na realidade, estudar lingüística aplicada é estudar, de forma relativamente difusa: semiótica, pragmática, análise do discurso, sociolingüística, psicologia lingüística, antropologia lingüística e mesmo filosofia lingüística.

De qualquer modo, apesar dessa aparente confusão de objeto, cumpre reconhecer que, também no terreno da linguagem, o conhecimento humano parece estar dando um grande salto.

No estudo de línguas, a atitude pragmática, na forma como explicada acima, tem-se revelado um instrumento de grande valia, não só para professores como para aprendizes, seja no estudo da aquisição de língua materna, seja na aprendizagem de LE ou L2. No nosso caso, trata-se do ‘ensino / aprendizagem do inglês como língua estrangeira para falantes do português do Brasil, no Brasil. A atitude pragmática é crucial.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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